O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu
cautelarmente a eficácia do artigo 8º da Resolução 23.396/2013 do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), que regulamenta a tramitação da notícia-crime e do
inquérito policial eleitoral. A decisão ocorreu na sessão desta quarta-feira
(21), no julgamento de cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
5104. O dispositivo prevê que “o
inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante determinação da
Justiça Eleitoral, salvo a hipótese de prisão em flagrante”. Abaixo segue a
íntegra da notícia veiculada no site do STF:
“A
ação foi proposta pelo procurador-geral da República, que requereu a concessão
de liminar para suspender os efeitos dos artigos 3º a 13º da resolução. Para o
autor, os dispositivos questionados seriam incompatíveis com os princípios da
legalidade, do acusatório e o da inércia da jurisdição.
A
decisão foi por maioria. Ficaram parcialmente vencidos os ministros Luís
Roberto Barroso (relator), Luiz Fux, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, que
deferiam a liminar em maior extensão, e integralmente vencidos os ministros
Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que indeferiam a liminar. Os ministros Teori
Zavascki, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello
integraram a maioria, votando pela suspensão apenas do artigo 8º da norma
questionada na ADI.
Relator
O
ministro Roberto Barroso, relator da ação, explicou que o sistema
acusatório no Brasil permite preservar a necessária neutralidade do
Estado-juiz, evitando risco de pré-compreensões sobre a matéria que virá a ser
julgada. Além disso, permite a chamada paridade de armas, ou o equilíbrio de
forças entre acusação e defesa, que devem ficar equidistantes do Estado-juiz.
Dessa forma, a Justiça Eleitoral deve manter sua “necessária neutralidade” no
tocante a procedimentos investigatórios.
O
relator se manifestou no sentido de conceder parcialmente a medida cautelar
para suspender a eficácia dos artigos 5º, 6º, 8º e 11º da resolução, e para que
fosse dada interpretação conforme a Constituição aos artigos 3º, 4º e 10º. Os
artigos 7º e 9º foram considerados constitucionais pelo ministro.
Ministro
Teori Zavascki
Ao
abrir divergência parcial, o ministro Teori Zavascki entendeu ser cabível
unicamente a suspensão cautelar do artigo 8º da resolução, que condiciona a
abertura de inquérito policial eleitoral à determinação da Justiça Eleitoral. O
ministro ressaltou que, por configurar uma inovação em relação às normas
vigentes em eleições anteriores, este seria o único dispositivo que poderia
representar alguma possibilidade de dano que justifique sua impugnação, pois
subtrai do Ministério Público sua função constitucional. Segundo ele, esta
inovação pode representar a existência de vício de constitucionalidade formal,
com a criação de norma processual sem a observância do princípio da legalidade,
e também material, ao impor restrições às funções constitucionais do Ministério
Público.
Ministra
Rosa Weber
A
ministra Rosa Weber aderiu à divergência aberta pelo ministro Teori Zavascki
para suspender exclusivamente o artigo 8º da resolução. Segundo ela, todos os
demais preceitos, além de serem normas de repetição, estão sendo
observados em pleitos anteriores sem que se tenha verificado a
necessidade de que fossem alterados.
Ministro
Luiz Fux
Para
o ministro Luiz Fux, que seguiu integralmente o voto do relator, a instauração
de inquérito policial eleitoral apenas mediante autorização da Justiça
Eleitoral contraria o dispositivo constitucional que permite o início das
investigações pelo Ministério Público sem intervenção judicial. Ele destacou
que, em decisões precedentes, o STF considerou que a investigação direta pelo
Ministério Público, além de constitucional, assegura plena independência na
condução das diligências.
Ministra
Cármen Lúcia
Acompanhando
o posicionamento do ministro Teori Zavascki, a ministra Cármen Lúcia entendeu
que a competência do Ministério Público para apurar crimes eleitorais é
restringida pelo artigo 8º da resolução questionada, o que afronta a
Constituição Federal. “O ponto nuclear do debate é o direito de o cidadão ter
eleições honestas, corretas, com lisura, e que eventuais falhas possam ser
avaliadas e sanadas”, afirmou em seu voto.
Ministro
Lewandowski
Para
o ministro Ricardo Lewandowski, o artigo 8ª da resolução afronta dispositivo
explícito da Constituição Federal que autoriza o Ministério Público a
requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial.
“Requisitar é uma expressão plena de significado, que não se confunde com
requerer, que depende da autorização de alguma autoridade. Aqui se trata de uma
prerrogativa do Ministério Público, de caráter incondicionado”, destacou. Em
seu voto, seguiu a divergência parcial iniciada pelo ministro Teori Zavascki.
Ministro
Marco Aurélio
O
ministro Marco Aurélio acompanhou integralmente o voto do relator, Roberto
Barroso, deferindo a liminar para suspender, além do artigo 8º, outros artigos
da resolução. Segundo seu voto, o TSE não pode atuar como legislador positivo.
“Não vejo a Justiça Eleitoral como um ‘superórgão’, ela se submete também à
legislação, e o poder que ela tem é de expedir instruções para permitir a
execução do código eleitoral”.
Decano
Também
para o ministro Celso de Mello, as normas publicadas pelo TSE se destinam a dar
execução à lei eleitoral, e sua prevalência pressupõe sua legalidade e
constitucionalidade, ambas, sustenta, à primeira vista atingidas pelo artigo 8º
da resolução questionada. Ao prever autorização do Judiciário para a abertura
de investigação criminal no âmbito eleitoral, o ministro entende que o
dispositivo ofende as normas que tratam das atribuições do Ministério
Público. Ele acompanhou o voto do ministro Teori Zavascki.
Ministro-presidente
Ao
votar pela suspensão total das normas impugnadas, o presidente do
Tribunal, ministro Joaquim Barbosa, ressaltou que o regramento relativo à
instauração de inquéritos não é proveniente do sistema normativo eleitoral, mas
sim do sistema processual penal. Segundo ele, o estabelecimento de regras para
a instauração e tramitação do inquérito policial eleitoral extrapola o poder
regulamentar complementar conferido à Justiça Eleitoral. No seu entendimento,
as normas impugnadas violam as prerrogativas de requisitar diligências
investigatórias e de instaurar inquérito policial atribuídas pela Constituição
Federal ao Ministério Público. “Não se pode admitir que um ato normativo
infraconstitucional, como é a resolução, suprima ou restrinja os poderes
constitucionalmente atribuídos aoparquet”, argumentou.
Indeferimento
O
ministro Dias Toffoli votou pelo indeferimento da liminar, sustentando em seu
voto que a resolução do TSE traz normas que existem por razões históricas, a
fim de garantir as atribuições da Justiça Eleitoral na organização e supervisão
do processo eleitoral, dando a ela, inclusive, o papel de Polícia Judiciária
quanto à apuração dos crimes eleitorais. “Não há na norma questionada
cerceamento ao poder investigatório”, afirmou. “As razões de ser do texto são
históricas, dada a necessidade de supervisão do Poder Judiciário, a fim de
evitar que partes não imparciais, como o Ministério Público e a Polícia, possam
intervir no processo eleitoral.
A
posição foi adotada também pelo ministro Gilmar Mendes, para quem o modelo da
Justiça Eleitoral é peculiar, e eliminá-lo significaria desconsiderar
resoluções anteriores do TSE. Para o ministro, não cabe neste momento a
suspensão da norma, pois o modelo vigente implica uma disciplina institucional.”