O Plenário do
Supremo Tribunal Federal decidiu, na sessão
de 13 de agosto de 2015, que o Poder Judiciário pode determinar que a
Administração Pública realize obras ou reformas emergenciais em presídios para
garantir os direitos fundamentais dos presos, como sua integridade física e
moral. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE)
592581, com repercussão geral, interposto pelo Ministério Público do Rio Grande
do Sul (MP-RS) contra acórdão do Tribunal de Justiça local (TJ-RS).
Aqui se tem afastada, então, o chamado princípio da
reserva do possível.
Abaixo o contexto do processo:
“A corte gaúcha
entendeu que não caberia ao Poder Judiciário adentrar em matéria reservada à
Administração Pública.
Na origem, o Ministério Público gaúcho ajuizou ação
civil pública contra o Estado do Rio Grande do Sul para que promovesse uma
reforma geral no Albergue Estadual de Uruguaiana.
O juízo de primeira instância determinou a reforma
do estabelecimento, no prazo de seis meses. O estado recorreu ao TJ-RS, que
reformou a sentença por considerar que não cabe ao Judiciário determinar que o
Poder Executivo realize obras em estabelecimento prisional, “sob pena de
ingerência indevida em seara reservada à Administração”.
O MP recorreu ao STF, alegando que os direitos
fundamentais têm aplicabilidade imediata, e que questões de ordem orçamentária
não podem impedir a implementação de políticas públicas que visem garanti-los.
De acordo com o MP, a proteção e a promoção da dignidade do ser humano norteiam
todo ordenamento constitucional, e o estado tem obrigação de conferir eficácia
e efetividade ao artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, para dar
condições minimamente dignas a quem se encontra privado de liberdade.
O relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski,
disse entender que o Poder Judiciário não pode se omitir quando os órgãos
competentes comprometem a eficácia dos direitos fundamentais individuais e
coletivos. “É chegada a hora de o Judiciário fazer jus às elevadas competências
que lhe foram outorgadas pela Constituição Federal, assumindo o status de Poder
do Estado, principalmente quando os demais Poderes estão absolutamente omissos
na questão dos presídios”, salientou.
Em seu voto, o presidente da Corte fez um relato da
situação das penitenciárias brasileiras, que encarceram atualmente mais de 600
mil detentos, revelando situações subumanas, violadoras do principio
constitucional da dignidade da pessoa humana, além de revoltas, conflitos,
estupros e até homicídios, incluindo casos de decapitação. No caso do Albergue
de Uruguaiana, discutido no recurso em julgamento, o presidente revelou que um
preso chegou a morrer eletrocutado, em consequência das péssimas condições do
estabelecimento. O próprio TJ-RS, lembrou o ministro, apesar de reformar a
decisão do juiz de primeiro grau, reconheceu a situação degradante dos presos.
Essa situação de calamidade, disse o ministro, faz
das penitenciárias brasileiras “verdadeiros depósitos de pessoas”, impedindo a
consecução da função ressocializadora da pena, causando ainda uma exacerbação
da sanção, pela aplicação de penas adicionais, na forma de situações
degradantes. “A sujeição dos presos às condições até aqui descritas mostra, com
clareza meridiana, que o estado os está sujeitando a uma pena que ultrapassa a
mera privação da liberdade prevista na sentença, porquanto acresce a ela um
sofrimento físico, psicológico e moral, o qual, além de atentar contra toda a
noção que se possa ter de respeito à dignidade humana, retira da sanção
qualquer potencial de ressocialização”, afirmou. A intervenção do Judiciário,
nesses casos, frisou o relator, também tem a função de impedir esse excesso de
execução.
Contrariamente ao sustentado pelo TJ, o ministro
disse entender que não é possível cogitar de hipótese na qual o Judiciário
estaria ingressando indevidamente em seara reservada à Administração Pública.
“No caso dos autos, está-se diante de clara violação a direitos fundamentais,
praticada pelo próprio Estado contra pessoas sob sua guarda, cumprindo ao
Judiciário, por dever constitucional, oferecer-lhes a devida proteção”.
O presidente disse ainda que não se pode falar em
desrespeito ao princípio da separação do Poderes, e citou o princípio da
inafastabilidade da jurisdição, uma das garantias basilares para efetivação dos
direitos fundamentais. O dispositivo constitucional (artigo 5º, inciso XXXV)
diz que a lei não subtrairá à apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou
ameaça de lesão a direito. Esse postulado, conforme ressaltou, é um dos pilares
do Estado Democrático de Direito.
Para o ministro, não cabe também falar em falta de
verbas, pois o Fundo Penitenciário Nacional dispõe de verbas da ordem de R$ 2,3
bilhões, e para usá-los basta que os entes federados apresentem projetos e
firmem convênios para realizar obras. Mas, para Lewandowski, não existe vontade
para a implementação de políticas, seja na esfera federal ou estadual, para
enfrentar o problema. Com isso, concluiu que a chamada cláusula da reserva do
possível também não pode ser usada como argumento para tentar impedir a
aplicação de decisões que determinem a realização de obras emergenciais.
O voto do relator, no sentido de dar provimento ao
recurso do MP-RS, foi seguido por todos os ministros, que fizeram menções à
péssima situação dos presídios brasileiros e concordaram que o Ministério
Público detém legitimidade para requerer em juízo a implementação de políticas
públicas pelo Poder Executivo para concretizar a garantia de direitos
fundamentais coletivos. Todos salientaram, ainda, que compete ao Judiciário agir
para garantir aos presos tratamento penitenciário digno, como forma de
preservar seus direitos fundamentais.
Também por unanimidade, o Plenário acompanhou a
proposta de tese de repercussão geral apresentada pelo relator.
“É lícito ao Judiciário impor à Administração
Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução
de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao
postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à
sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o artigo 5º (inciso
XLIX) da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da
reserva do possível nem o princípio da separação dos Poderes”.”
Fonte: altosestudos.com.br.
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